Monday, May 15, 2006

Vai


Ya-Yo Gakk!

Thursday, May 04, 2006

Artista Incompreendido

Aqui começa a minha vida. A caneta na minha mão é de um vermelho escuro, cor de sangue. Gostava que estas palavras fossem escritas com o meu próprio, mas duvido que tenha o suficiente.
Vou falar-vos um pouco sobre mim. Escrevo num caderno quadriculado numa aula de Religião e Moral, depois de uma garrafa de Martini e uns dez cigarros. Embora já tenham todos desaparecido imagino-os aqui. Um cinzeiro a transbordar de beatas e cinzas espalhadas por todo o lado emanam um odor de tabaco extinto. A garrafa de vidro verde está entornada, as últimas gotas de líquido tinto a serem derramadas para o topo desta folha. Não me dou sequer ao trabalho de limpar. Esta é uma das características que adquiri com a vida: preocupo-me com muito pouco.
O meu maço não está longe, coberto por um isqueiro de estimação com números amarelos: 1944. Mal consigo ver esta imagem. Os meus olhos fecham-se, as minhas mãos entrelaçam-se e tremem em volta desta pena de plástico. Não consigo encostar a cara à mesa, não mo permite o meu protuberante nariz. Suspiro.
A ininterrupta ladainha destes professores de colégio privado irrita-me. Muito do que aprendi nem foram eles que me transmitiram, em parte porque não podem. Sou diferente, é um facto, não especialmente bonito, passo despercebido facilmente. Estas palavras parecem grotescamente inconsistentes, de modo que imaginem-me como bem desejarem. Para além do mais não estou com cabeça para estas descrições chatas.
Música, gosto. Serve os meus propósitos. Liberto-me deste stress urbano-depressivo arrancando notas da minha guitarra eléctrica com alguns amigos mais velhos. Entendam urbano-depressivo não como uma doença ou uma depressão de nome rebuscado, mas como uma perspectiva, um modo de ver as coisas. Lembrem-se do Bairro Alto, das luzes das ruas desertas que dão um brilho opaco ao asfalto, das infindáveis bebedeiras que é preciso curtir agarrado a um caixote do lixo de cabeça à roda e um cheiro a café, tabaco e uísque. Pensem no som do “Screen”, naqueles momentos em que metemos a cabeça entre as pernas depois de uma sessão de shots na vã tentativa de esquecer um amor falhado, nos candeeiros de Alcântara às sete da manhã, nos poemas soturnos ao pôr-do-sol de Lisboa, nos sótãos que servem de quarto a músicos como eu, rodeados de maços de Marlboro e garrafas vazias de Martini.
O meu nome não interessa, não faz diferença, dêem-lhe o vosso. Sou músico, escritor e outra coisa que logo verão, que nem sequer é compatível com as duas primeiras. Sou um homem em guerra civil consigo próprio, como diria Platão.
Levo o cigarro à boca e puxo com força. Já não estou na aula de Moral, (estou na de Matemática) mudei de sítio a meio deste texto. No entretanto, passaram muitas ideias sobre como continuá-lo na minha cabeça. Escrevo porque a minha alma ferida o pede, como um moribundo pede láudano. Escrevo porque a dor que sinto leva-me a abstrair-me da estupidez que me rodeia e afundar-me aqui a contar-vos esta história.
Tudo isto é por causa de uma rapariga, de uma mulher, ou como queiram chamar-lhe consoante as diferentes conotações. Claro que isto é óbvio. Cada vez que um homem leva a pena à tinta há, sem dúvida, uma razão feminina por trás. Esta chama-se Clara. Isto é a única coisa a que não me permito mudar o nome. É algo específico, concreto, com um determinado conjunto de características únicas e efeitos no Universo, como uma rosa ou arsénico.
É para ela que canto, que toco, que escrevo. É nela que penso quando estou irritado ou quando acendo um cigarro, ou quando pago a mensalidade. Aqueles cabelos loiros são a borracha que apaga as minhas fúrias. Pode parecer vão, mas é o natural.
Pareço ter vinte e alguns anos, com os problemas que tenho. Na verdade sou mais novo. Sem mais delongas.Esta é a tua história.