Sunday, December 17, 2006

Nada de especial 2

Ora portanto aqui está o chamado resto. Divirtam-se.

A face dela parece estar a arder de tanto calor que emana. Uma temperatura febril de quando se ama alguém e se vive uns minutos no presente. Eu, pelo contrário, embora também a ame, estou frio como uma pedra. Sou incapaz de demonstrar involuntariamente os meus sentimentos.
Os meus dentes deslizam pelo ombro de Clara. Mordem uma alça cinzenta e fazem-na cair pelo braço abaixo. O cabelo dela esconde-nos, como se de criminosos nos tratássemos. Uma escuridão assustadora cobre-lhe o olhar, a alma dela escondendo-se no interior. Respira com dificuldade, não acreditando naquilo que está a acontecer. Talvez nunca antes o seu pensamento tenha tocado tais assuntos. Talvez as imagens que vê neste momento sejam fantasias escondidas e que a assustam pela realidade com que as enxerga. Talvez esteja petrificada perante o facto de que fará amor com um rapaz, talvez esteja deserta para sentir como é ser-se amada e não haver nada para além de dois corpos com o mesmo cheiro e que se tornam num só naquele momento extraordinário, que se parece com a sensação de queda num sonho. Sabe que me pode mandar parar mas não o quer fazer.
Dentro de poucos minutos pouca roupa temos. Tentamos tirar o coração um ao outro em cima do sofá laranja da sala. Os esforços de Clara concentram-se principalmente na minha boca, braços, ombros e peito. O medo esfumou-se. Eu, de cada vez que me consigo libertar, invisto contra o seu pescoço e seios. Ela contorce-se e cerra os olhos quando a dor é demasiado intensa.
Estamos cobertos de suor, colados um ao outro pelo sonho. O aroma a limão é mais forte que nunca. Tomo-lhe o segredo que esconde de outros e exploro-o. Ela contrai-se, suspira. Nunca vi ser como este. Produz uma seiva que envolve os outros seres e os enfeitiça com tal magia que se torna impossível escapar-lhe. Manda-os dançar e latir como cães até que se ela canse. E o pior, é que se sentem bem ao obedecer-lhe.
O encantamento é forte em mim, irreversível até. Eu sei-o e ela também. Tiramos um prazer imenso deste conhecimento, prazer esse que nos leva para além do êxtase apenas imaginado pela maioria. É o clímax dos amantes indivisíveis e seguros da sua possessão, do facto de pertencerem um ao outro, de que a cada momento recomeçam aquilo que há muito pensavam ter já iniciado.
Uno-me com Clara. Ela sente-o. Fica mais corada ainda, o seu corpo parecendo um forno prestes a explodir, vítima das ondas de dor que sente. Parece estar possuída pelo Oceano e não por mim. Agarra-se à minha boca tentando cortar a sua respiração, querendo parar o tempo naquele preciso segundo em que se sente completa. Os minutos vão passando e mantém aquela expressão serena mas de um pânico oculto. Os olhos fechados escondem a sua alma que quer sair.
Aproxima-se o momento em que o mistério nos é revelado, em que os segredos do Universo se dispõem à nossa frente como uma cartada fatal. Clara pressente-o e crava as unhas nas minhas costas força tal que mas fere. É a luta entre os dois corpos, tentando um impor-se sobre o outro. Ela morde e magoa, mas beija e cura.
È agora. Atinge-nos com tanta força que ela quase que gritou aos meus ouvidos. A Terra abre-se e treme, fazendo-nos cair num precipício sem fundo. Clara abraça-me para não se perder naquele infinito de dor. A alma cobre corpo e o prazer penetra por todos os poro. Por segundos, o Mundo desaparece e apenas nós e o silêncio existimos. Continuamos a cair.
Subitamente aparecemos de novo no sofá laranja da sala. Oiço o som de uma lágrima que cai. Ela chora. Bebo-lhe as lágrimas.

1 comment:

Maya said...

fenomenal.. a descrição está de tal forma completa, que pode-se imaginar tudo tudo! mais uma vez, adorei.. pra quando é o livro? :P